VOCÊ TEM MEDO OU VOCÊ TEM FÉ?

Já tivemos oportunidade de mencionar aqui, num artigo sobre a crença em Deus (clique aqui para ver!), o comentário de Somerset Maughan, escritor britânico nascido no século retrasado. De forma surpreendente e contraditória, ele afirmou ter chegado à convicção de que Deus não existe, porém não havia conseguido alcançar a mesma certeza no respeitante à existência do Inferno. Paradoxal, não?

Vejamos mais um caso curioso: Voltaire, nascido no final do século XVII, embora fosse deísta, abominava a Igreja Católica e os cristãos de modo geral. Escreveu material abundante contra as verdades do cristianismo. Entre suas obras, temos o Dicionário Filosófico, cujo conteúdo é um ataque sistemático ao catolicismo e aos seguidores de Jesus de Nazaré. Nessa obra, tenta desconstruir os dogmas e tudo quanto se refere à Igreja. Porém, já avançado em idade, quando saía de uma cerimônia em sua homenagem, teve dores horríveis no estômago, regurgitando sangue abundante. Em casa, pediu um padre para confessar os seus pecados… O superior do religioso, no entanto, exigiu que Voltaire só recebesse os sacramentos se antes fizesse uma retratação por escrito que valesse como uma forma de reconhecer seus erros. Assim foi feito. O documento, inclusive, foi registrado em cartório a fim de que não houvesse sombra de dúvida de que o ímpio escritor havia reconhecido seus pecados e assinado uma declaração de arrependimento. Foi atendido em confissão, recebeu os últimos sacramentos e, prodigiosamente, recobrou a saúde.

Tão logo Voltaire encontrou-se recuperado, viu seus amigos de impiedade acusarem-no de frouxidão, de superstição, de prostrar-se aos pés de um sacerdote por medo dos castigos divinos, etc. Então, de forma insensata, pediu aos seus amigos que da próxima vez que ficasse enfermo e pedisse um padre, não atendessem ao seu apelo. E assim foi feito… Ele voltou a adoecer, viu a morte de perto, pediu um confessor, porém este lhe foi negado. Faleceu em meio a surtos de alucinação, gemidos e gritos de pavor, afirmando ver os demônios que vinham buscá-lo para levá-lo ao Inferno. Uma moça contratada para cuidar de Voltaire declarou que os seus últimos dias foram aterrorizantes.

Voltando à pergunta que encabeça este artigo, é curioso notar como o medo, muitas vezes, é mais forte do que a fé. Note-se que não se falou propositadamente em amor x medo, mas em fé x medo, pois a fé precede o amor. Para que eu possa amar algo, é preciso, primeiramente, acreditar que esse algo existe. Também não se falou em fé x temor de Deus, pois o temor de Deus não é exatamente a mesma coisa que o medo; é algo mais virtuoso e completo. Espiritualmente falando, é um estágio mais evoluído do que o simples medo, digamos assim.

Segundo o Catecismo de São Pio X, o temor de Deus é um dos sete dons do Espírito Santo, “que nos faz reverenciar a Deus e ter receio de ofender a sua Divina Majestade. Ele nos afasta do mal, incitando-nos ao bem”. Não é, portanto, um mero temor de ser condenado eternamente, mas um dom que nos faz reverenciar a Deus e ter receio de ofendê-Lo. O Salmo 110 reverencia o temor de Deus como o princípio da sabedoria: “O temor do Senhor é o começo da sabedoria”.

A questão proposta, contudo, é que, à primeira vista, no mundo há muito mais gente com medo ao invés de fé autêntica, robusta, firme e inabalável. Muita gente procura uma igreja, um sacerdote, apenas quando lhe bate algum pavor, algum receio de que algo muito ruim lhe aconteça. A falta da prática da virtude, de frequência aos sacramentos – sobretudo da Penitência –, de espiritualidade, colabora para que haja mais gente se dizendo crente por receio de se condenar do que por acreditar seriamente nos ensinamentos de Cristo. Vale lembrar que cristão verdadeiro não é só aquele que foi batizado, mas, como nos ensina o Segundo Catecismo, “cristão é todo aquele que é batizado, crê e professa a doutrina e a lei de Jesus Cristo”.

Marcos A. Fiorito

Teólogo e historiador

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação da fonte e autor.)

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