Fala-se muito sobre vida sobrenatural, mas quantos verdadeiramente conhecem o seu significado mais pleno? Antes de mais nada, é preciso ter presente que a vida sobrenatural pressupõe a graça santificante (ou habitual) que nos é dada no momento do batismo. Existe a graça atual que irá atuar pontualmente em determinada circunstância, como foi a graça que Saulo recebeu no caminho de Damasco e que o levou a converter-se ao cristianismo. A graça recebida por São Pedro para seguir a Cristo como Apóstolo, a graça da conversão de Santa Maria Madalena, etc. São graças atuais que agem num determinado momento, com um objetivo específico, mas não habita a nossa alma, como se dá com a graça santificante.

Essa graça espetacular abandona nossa alma no momento do pecado grave, por isso se chama “pecado mortal”, pois mata a vida da graça em nós, mata a vida sobrenatural, e nos conduz à condenação eterna. Essa graça também é restaurada com a contrição. Na Confissão, no momento que o sacerdote nos absolve, essa graça é restaurada, desde que haja arrependimento sincero e firme propósito de emenda.

Dom Chautard, grande autoridade em espiritualidade católica do século passado, abade cisterciense de uma importante abadia francesa, em seu livro “A alma de todo apostolado”, dedica um trecho importante de sua obra para esclarecer o que é vida sobrenatural. Abaixo transcrevemos essa utilíssima explicação:

“A presença de Nosso Senhor por meio desta vida sobrenatural não é a presença real própria da sagrada comunhão, senão uma presença de Ação Vital, como a ação da cabeça ou do coração nos membros; ação íntima que Deus quase sempre oculta à minha alma para aumentar o mérito da minha fé; ação, portanto, habitualmente insensível às minhas faculdades naturais e que unicamente a fé me obriga formalmente a crer; ação divina que deixa subsistir o meu livre arbítrio e utiliza todas as causas segundas, acontecimentos, pessoas e coisas, para me fazer conhecer a vontade de Deus e deparar me ocasiões de adquirir ou aumentar a minha participação na vida divina.

Esta vida, inaugurada no batismo pelo estado de graça, aperfeiçoada pela confirmação, conservada e enriquecida pela Eucaristia, é a minha vida cristã.

Jesus Cristo comunica-me o seu Espírito por meio desta vida. E assim se torna o princípio de atividade superior que me leva, caso eu lhe não ponha obstáculos, a pensar, a julgar, a amar, a querer, a sofrer, a trabalhar com Ele, nEle, por Ele, como Ele. As minhas ações exteriores tornam se a manifestação desta vida de Jesus em mim. Assim, tendo para a realização do ideal de vida interior formulado por São Paulo: ‘Já não sou eu que vivo, é Jesus Cristo que vive em mim’.

Vida cristã, piedade, vida interior, santidade não diferem essencialmente; são os diversos graus de um só e mesmo amor; são o crepúsculo, a aurora, a luz, o esplendor de um mesmo sol. A minha vida interior há de ser pois a minha vida cristã aperfeiçoada. O essencial da vida cristã limita-se aos esforços necessários para conservar a graça santificante. A vida interior vai mais além. Visa o desenvolvimento desta graça, procura atrair graças atuais abundantes e corresponder a elas.”

Fonte: A Alma de todo o apostolado – Dom Jean. B. Chautard, abade de Sept-Fons O.C.R.

Marcos A. Fiorito

Teólogo e historiador

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação da fonte e autor.)

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