Nos dias atuais, é comum encontrar pessoas afirmando que a Bíblia é contra o dogma da virgindade perpétua de Maria. Elas apresentam alguns versículos bíblicos que supostamente provam que Nossa Senhora teve outros filhos biológicos depois de Jesus. Vamos examinar essas passagens das Escrituras, para, como os bereianos (At 17, 11), verificarmos se as coisas são, de fato, assim.
Lucas 2, 7: Jesus é o “filho primogênito” da Virgem Maria
Primeiro, argumenta-se que o fato de Jesus ser chamado de “filho primogênito” da Virgem Maria, em Lc 2, 7, indica que ela teve outros filhos.
O problema desse argumento é que o termo “primogênito” na Bíblia não indica o primeiro filho entre outros, mas o filho que não teve predecessor, que abriu a madre, mesmo que seja filho único. Isso pode ser percebido no uso de “primogênito” em Ex 13, 1-2: “O SENHOR falou a Moisés: ‘Consagra-me todo primogênito no meio dos israelitas: todo primeiro a sair do útero, quer homem, quer animal, será meu’”. Além disso, o resgate do consagrado deveria acontecer com um mês de vida (Nm 18, 16). Se “primogênito” significasse o primeiro filho entre outros, cumprir esse mandamento seria impossível, pois não seria possível prever a geração de outros filhos quando o primeiro fosse um recém-nascido. Logo, Jesus é chamado de “filho primogênito” de Nossa Senhora, não para indicar que ela teve outros filhos depois de Jesus, mas para mostrar que ela não teve outros filhos antes dele, pois era virgem.
Mateus 1, 25: São José não conviveu com a Virgem Maria enquanto ela não deu à luz a Jesus
O segundo argumento baseia-se em Mt 1, 25, que afirma que São José não “conviveu” (“teve relações sexuais com”) a Virgem Maria “enquanto não deu à luz o filho, ao qual ele pôs o nome de Jesus”, o que implicaria que São José teve relações com ela após o nascimento de Jesus.
Esse argumento falha ao não considerar que o termo “enquanto” ou “até”, tanto em grego (“heos”) quanto em hebraico (“’ad”), indica apenas que algo aconteceu ou não aconteceu até certo momento, não implicando que a situação tenha mudado depois desse momento. Alguns exemplos são: “E Micol, filha de Saul, não teve filhos até o dia da sua morte” (2Sm 6, 23); “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28, 20). Micol, obviamente, não teve filhos depois de sua morte, e Jesus não deixará de estar conosco após a consumação do século (1Ts 4, 17). Do mesmo modo, Mt 1, 25 não implica que São José se relacionou sexualmente com Nossa Senhora depois do nascimento de Jesus, apenas indica que São José não o fez antes do nascimento dele, para preservar a verdade de que Maria Santíssima era virgem.
Mateus 13, 55-56: Jesus tinha irmãos
Um terceiro argumento afirma que, se Jesus tinha irmãos (Mt 12, 46-47; 13, 55-56; Jo 2, 12; 7, 3. 5. 10; At 1, 14; 1Cor 9, 5; Gl 1, 19), segue-se que a Virgem Maria teve outros filhos.
Esse argumento também é problemático por várias razões:
Em primeiro lugar, esses irmãos de Jesus nunca são chamados de filhos da Virgem Maria na Bíblia.
Segundo, o termo “irmão”, tanto em grego (“adelfos”) quanto em hebraico (“ach”), nem sempre é usado para indicar filhos de um mesmo pai ou mãe. Em Gn 14, 14. 16, tanto no Texto Hebraico quanto na Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento), Abrão é chamado de “irmão” de Ló, apesar de ser o tio dele: “E ouviu Abrão que foi preso seu ‘irmão’… E trouxe de volta todos os bens, e também Ló, seu ‘irmão’”. O mesmo uso geral de “irmão” acontece em Gn 29, 15, onde Jacó é chamado de “irmão” do seu tio Labão.
Terceiro, os chamados “irmãos” de Jesus se comportam na Bíblia como se fossem mais velhos do que Jesus. Eles lhe dão conselhos (Jo 7, 3-4) e tentam prendê-lo por acharem que ele estava louco (Mc 3, 21. 31-35), o que na antiguidade e na cultura oriental, apenas irmãos mais velhos poderiam fazer com irmãos mais novos, nunca o contrário. Como Jesus é o filho primogênito de Nossa Senhora, esses “irmãos” mais velhos de Jesus não podem ser filhos dela. Eles podem ser parentes mais distantes, como primos.
1 Coríntios 7, 5: Os cônjuges não devem se abster de relações sexuais
Por fim, argumenta-se que São Paulo desaconselha um casamento onde os cônjuges não se relacionem sexualmente, em 1Cor 7, 5: “Não vos recuseis um ao outro, a não ser de comum acordo e por um tempo oportuno, para vos entregardes à oração. Depois, uni-vos novamente, para que Satanás não vos tente, por causa de vossa incontinência”. Logo, São José e a Virgem Maria devem ter se relacionado sexualmente.
Esse argumento também não se sustenta, pelos seguintes motivos:
Primeiro, o argumento utiliza um princípio geral dado para casamentos ordinários e o aplica numa situação muito específica de uma família extraordinária. A Sagrada Família está longe de ser comum: há uma virgem mãe, um pai adotivo e um filho Deus. Não se pode assumir que o casamento nessa família seja comum. Além do mais, Nossa Senhora e São José se abstiveram da relação sexual por nove meses, segundo Mt 1, 25, o que está longe de ser comum.
Segundo, o próprio São Paulo admite a possibilidade de abstinência sexual dentro do casamento por algum tempo, cuja duração não é informada, ainda que seja assumida como limitada. Se tal abstinência é possível em um casamento comum, não seria estranho que ela existisse também em um casamento incomum, de maneira incomum.
Por fim, o argumento prova demais, pois se o princípio colocado por São Paulo fosse absoluto, sem exceção alguma, cônjuges que estão impossibilitados de se relacionarem sexualmente por algum motivo (saúde, viagem etc.) estariam violando o princípio, o que seria absurdo.
Concluímos, assim, que na Bíblia nada há contrário ao dogma da virgindade perpétua de Maria. Diante desse fato, aproveite para invocar Santa Maria como a “Virgem gloriosa e bendita”, rezando a antiga oração mariana Sob a vossa proteção.
Leia também: A Bíblia ensina o dogma da Virgindade Perpétua de Maria?
Assista também: Qual a finalidade da virgindade perpétua de Maria?
André Aloísio
Teólogo
(Autoriza-se reprodução do artigo com citação da fonte e autor.)
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