Há quem pense que o maior inimigo de nossos dons, nossas qualidades, seja a inveja. Afinal, ela quer destruir o nosso potencial, devolvê-lo ao nada, pois ele incomoda o invejoso, como se queimasse as suas entranhas com alguma espécie de ácido mortífero. Ledo engano! Há um inimigo ainda mais letal que a inveja, chama-se vaidade.
A virtude, segundo a ótica dos antigos gregos, era sinônimo de um talento natural, como nos ensina o Profº Clóvis de Barros Filho. Em suas aulas sobre Ética na USP, com destacada maestria, esclarece que o grego considerava de forma bastante positiva o fato de a pessoa descobrir as suas potências e desenvolvê-las ao extremo. Sócrates foi citado como exemplo, pois antes de revelar-se filósofo, pensou em ser político ou militar.
Embora séculos tenham se passado, o desafio continua. O homem deve buscar descobrir seus dons, desenvolvê-los e pô-los em prática. No entanto, a inimiga número um de nossas qualidades está sempre à espreita do nosso sucesso: ela se chama vanglória. Ela quer nos encher de vaidade, de soberba, infectando-nos como uma bactéria nociva, a fim de transformar o bom em mau, a virtude em orgulho, o brilho em desdouro…
É comum ouvir das pessoas sensatas o seguinte comentário: “fulano é muito inteligente, fala bem, mas agora ele está cheio de ego! Tornou-se insuportável!”… Nessa mesma linha, quem nunca ouviu algum comentário desfavorável a respeito de determinado jogador de futebol que, embora muito talentoso, começa a se achar muito estrela e perde todo o seu brilho e encanto?
A propósito, o que é estar cheio de ego? Tudo começa olhando para dentro de si e se sentido superior, sentir-se acima do vulgo, julgar-se ultraespecial, muito além da capacidade “do resto”. Em pouco tempo, o admirável astro torna-se opaco, intragável e ridículo. Foi com especial acerto que, certa vez, disse um sábio: “a melhor forma de perder um dom é olhar para ele”. Por trás dessas palavras, vê-se uma verdade retumbante! Enquanto há despretensão, o indivíduo não só encanta a todos e vira objeto de admiração, seus dons parecem crescer ainda mais. Quando a vaidade se instala, é como uma lepra que vai deteriorando nossas carnes, empanando as virtudes e dando lugar à putrefação moral.
Em seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, André Comte-Sponville faz uma bela descrição da virtude da simplicidade: “O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. Por que ele se aceita como é? (Isso) já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes – pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência –, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão. Ele é como os passarinhos de nossas florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. (…) O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara.”.
Podemos concluir que, de certa forma, a simplicidade é exatamente a virtude adversa da vanglória. Ela protege os dons da vaidade e os torna cada vez mais viçosos e dignos de toda admiração.
Marcos A. Fiorito
Teólogo e historiador
(Autoriza-se reprodução do artigo com citação da fonte e autor.)
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