“A Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo espírito pelo qual foi escrita”, nos afirmou São Jerônimo. Um dos equívocos mais comuns cometidos por pessoas que se julgam portadoras de grande conhecimento está na tentativa de desmerecer o conteúdo bíblico, atentando para fatos narrados nela que não condizem com as descobertas científicas, que colidem flagrantemente com as leis da física, entre outras realidades. Por exemplo, a Escritura Sagrada narra a batalha de Josué contra os amorreus, ocasião em que o herói hebreu pediu ao Senhor que parasse o sol para que pudesse terminar a perseguição contra os seus inimigos. “E o sol parou, e a lua não se moveu até que o povo se vingou de seus inimigos. Isto acha-se escrito no Livro do Justo. O sol parou no meio do céu, e não se apressou a pôr-se pelo espaço de quase um dia inteiro” (Js 10, 12-14).
Hoje qualquer criança aprende que existem os movimentos de translação e rotação, e que é a Terra que gira em torno do Sol, não o contrário. Portanto, se algo parou foi a Terra, e não o sol.
Outros chamam a atenção para a ordem da criação narrada no livro do Gênesis: fala-se primeiro em luz e em trevas, depois temos que Deus criou as estrelas, e mais tarde o sol e a lua. O sol não é uma estrela? Por que, então, foi criado depois delas? Não teria sido criado ao mesmo tempo? Incoerências que provariam que a Bíblia não é um livro sério, que não deve ser levada em consideração, etc.
Ora, a Bíblia foi escrita numa época em que o conhecimento científico como entendemos hoje era nulo. O povo hebreu era um povo novo, simples, de pastoreio, que tinha o conhecimento da predileção de Deus para com ele através de seus patriarcas, juízes e profetas. A Bíblia foi escrita com a intenção de explicar para essa gente humilde a história da salvação, de como o Senhor amou o seu povo e o conduziu por suas veredas. O objetivo do texto sagrado não era fazer uma narração científica de algo que o homem só veio a conhecer muito mais tarde com Copérnico, Galileu, Descartes, depois com Newton e muitos outros. A intenção era, tão somente, falar da criação dos anjos e dos homens, da queda de ambos, das consequências do pecado original, da Terra Prometida, da promessa do Messias e o Seu Reino.
O erro de sempre se repete, querer entender um fato fora de sua época, fora de contexto. Hoje vivemos dentro de uma cultura onde o cientificismo é eminentemente valorizado. Mas à época de Moisés, o que havia de mais avançado em termos de ciência era privilégio dos egípcios, depois dos gregos. Estes últimos viveram numa época em que não havia divisão entre ciência e filosofia, as duas coisas se fundiam. Foram os gregos os primeiros a definir o conceito de essência e a divisão em 4 elementos: água, terra, fogo e ar; o avanço na matemática também se deve a eles, assim como a divisão da natureza em espécies, etc.
Hoje pode parecer ridículo a um físico dividir os elementos de forma tão singela como fizeram os antigos gregos, porém era algo bastante avançado para a época e foi essencial para a cultura humana durante milênios. Portanto, é importante ter presente que a Bíblia não foi escrita com pretensões científicas, nem podia, pois na época, como dito acima, o homem ainda gatinhava em matéria de conhecimento. Ela foi escrita, sobretudo, com o objetivo de ser um livro sagrado que traz os preceitos divinos e narra a história da nossa Salvação.
Em falar nisso, que tal firmar o propósito de ler com frequência os Santos Evangelhos, “coração de todas as escrituras”, como diz o Catecismo da Igreja Católica?[1]
[1] Os Evangelhos são o coração de todas as Escrituras, “uma vez que constituem o principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador” (CIC, Art. 3 § 125).
Marcos A. Fiorito
Teólogo e historiador
(Autoriza-se reprodução do artigo com citação da fonte e autor.)
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